quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

As pessoas sensíveis


As pessoas sensíveis
As pessoas sensíveis não são capazes
De matar galinhas
Porém são capazes
De comer galinhas

O dinheiro cheira a pobre e cheira
À roupa do seu corpo
Aquela roupa
Que depois da chuva secou sobre o corpo
Porque não tinham outra
O dinheiro cheira a pobre e cheira
A roupa
Que depois do suor não foi lavada
Porque não tinham outra

"Ganharás o pão com o suor do teu rosto"
Assim nos foi imposto
E não:
"Com o suor dos outros ganharás o pão".

Ó vendilhões do templo
Ó construtores
Das grandes estátuas balofas e pesadas
Ó cheios de devoção e de proveito

Perdoai-lhes Senhor
Porque eles sabem o que fazem.




Sophia é a poetisa da justiça e da verdade. Vivemos num mundo onde a hipocrisia e a critica é dominante. Critica-se quem constrói, mas os outros usufruem, critica-se quem eleva a voz, os outros calam-se e disso se aproveitam, critica-se tanta coisa! De facto, aqueles que criticam são pessoas sensíveis! Não matam galinhas, comem-nas!


Vivemos também numa sociedade onde os pobres, porque são pobres ficam em tanta coisa à margem. A chuva secou a sua roupa porque não tinham outra. O dinheiro é pouco, a roupa cheira à pobre. E julgamos nós tantas vezes que temos dignidade para julgar os outros pela aparência.

"Ganharás o pão com o suor do teu rosto", assim nos é dito. Mas somos diariamente confrontados com notícias de corrupção… e quem paga é o povo!

Criticam-nos porque queremos crescer, porque fazemos pela vida, porque queremos ter um nível de vida melhor. Criticam-nos porque não vivemos só de acções de solidariedade, porque não vivemos a homenagear as altas entidades, porque não trabalhamos nos templos. E querem-nos convencer que tudo o que fazem é devoção e nada de proveito!

Perdoai-lhes Senhor
Porque eles sabem o que fazem.

Interpretação do poema feita por Xicca


Nota: Nascida no Porto, filha de pai dinamarquês, Sophia de Mello Breyner teve uma educação católica e culturalmente privilegiado que influenciou a sua personalidade. Frequentou o curso de Filologia Clássica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, e teve uma intervenção política empenhada, opondo-se ao regime salazarista (foi co-fundadora da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos) e também, após o 25 de Abril, como deputada. Presidiu ao Centro Nacional de Cultura e à Assembleia Geral da Associação.
O ambiente da sua infância reflecte-se sobretudo nos seus livros para crianças.

A civilização grega é igualmente uma presença recorrente nos versos de Sophia, através da sua crença profunda na união entre os deuses e a natureza.

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